27.2.11

Fulana

pois não é que às vezes 
fulana gostava de sentir-se
livre

sem gilete na bolsa
sem cabelo escovado 
sem rímel sem meias
sem cruzadas de pernas
sem sorrisos forçados

não, não trocara de sexo
nem de sexualidade 
não entendia conceitos
nem entendia costumes
era ossos sem ritos
era corpo sem órgãos
sem unhas postiças
sem braços roliços
sem coxas macias
sem cintura e vagina
falsamente apertadas

fulana vivia
lusco-fusco piscando 
sambava escondida
sambava atrevida
em muitos momentos 
sentia-se outras 
fulanas cem modos
sem motor na barriga
nem cheirava nem fedia

fulana 
brincava de avesso
era ela
era ele
figura de livro, pois não
era bicho 
era mato 

e somente assim
sem maquiagem 
contra si mesma
tornou-se mito

Ironia

as coisas boas do namoro 
não valiam o desgaste:
ele gostava de Chico
mas não lia Clarice
a angústia e a feminilidade fria
em demasia
repeliam o rapaz
que em todas os versos 
via golpes da poeta
mulher histérica, fechada em coágulos

não sabe ele 
que só houve namoro 
devido aos seus olhos
buracos negros perscrutadores 
tão femininos 
quanto clarices

Velhice

o velho sentado 
rumina memórias 
num mastigado infinito 
sua boca conversa 
com ouvidos de outrora

o que conversa esse velho?
a que gente ele fala?

ritornelo incessante
suas palavras não ditas
retornam sempre 
e sem pressa 
a um espaço infinito 
a um tempo inconstante

ilhado em si mesmo 
a solidão o consome
Filoctetes com fome de ouvintes
segue saboreando 
indistintamente 
pouco a pouco 
passo a passo 
o doce e o amargo 
das lembranças criadas 
das memórias perdidas




* 2º lugar, na categoria poema, do Concurso Flor de Cactos (UFRN - 2010)

Aridez


chove 

a poeira do céu 
agora varrida 
se faz pó de chão 

mas as águas e os verdes 
não lavam a alma 
da mulher ventre seco 

é que mais uma vez 
a abundância das flores
e a doçura dos frutos
zombam 
naturalmente
de sua aridez 
de seu triste torrão 

amanhece 
e a mulher dia a dia
se entristece
para ela 
o bem-te-vi da algaroba
tristevida      tristevida
mudou de canção

24.2.11

Modigliani

estou com saudade de São Paulo
mas a minha saudade
não é dos barzinhos teatros cinemas
das ruas frenéticas
com gente apressada
a falta que sinto
evoca o Masp
e uns olhos azuis
bem tristes
bem doces
presentes em mim

Mi-cigale, mi-fourmi


nascida entre serras
e crescida entre dunas
esta fulana
de motor na barriga
não sabe se escreve
e não gostava de blogs
(olha só que ironia!)
mas possui um motor
e unhas elétricas
que a obrigam a isso
e a inscrevem
na escrita

portanto
ela escreve
e assume essa vida
meio-cigarra
meio-formiga
de trabalho e delícia